10 Março 2022
A Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou, este em conluio com o Kremlim, está agora abertamente apoiando a defesa militar da Ucrânia.
A reportagem é de Fabrice Desprez, publicada por La Croix, 08-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Mosteiro das Cavernas (Kiev-Pechersk Lavra) – um dos locais mais sagrados na Ortodoxia eslava e o centro de poder da Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou – está imersa no silêncio.
“Eu não tenho vindo aqui desde o início da guerra”, diz Nikolai Danilevich, um padre e porta-voz desta Igreja, que é ligada à Igreja Ortodoxa Russa.
Enquanto os monges continuam seus trabalhos a portas fechadas, seu extraordinário conjunto arquitetônico de igrejas e catedrais com vista para o rio Dnieper está fechado para visitantes e a ala administrativa foi esvaziada.
A paróquia do padre Danilevich fica em uma área a oeste de Kiev, onde os ataques de artilharia estão cada vez mais próximos.
“Eu dirijo muito rápido”, ele nos diz.
No recinto do mosteiro, a conversa não se arrasta, mas seu conteúdo é chocante.
“A Igreja condena esta guerra”, diz o porta-voz da Igreja Ucraniana.
“Consideramos uma invasão, uma guerra aberta, não uma guerra híbrida, e para nós é uma questão de princípio”, insiste. “Devemos defender nosso país, nossa pátria”.
Até poucas semanas atrás, seria impensável ouvir tal declaração de uma Igreja próxima a Moscou e há muito acusada pelo governo ucraniano de ambivalência, até conluio com o Kremlin.
Agora, este é um sentimento que é aceito em quase todos os lugares.
O metropolita Onofre, que é o primaz da Igreja Ortodoxa Ucraniana, emitiu um comunicado no dia da invasão russa pedindo a Vladimir Putin que pare a guerra. Ele também pediu aos membros de sua Igreja que apoiassem o exército ucraniano.
O apelo do metropolita estava em contradição direta com o patriarca de sua Igreja, Kirill de Moscou e todos os russos.
De fato, o patriarca apoiou diretamente a invasão russa. E no domingo passado ele novamente pediu que as pessoas a apoiassem, chamando-a de “uma guerra que não é apenas física, mas metafísica”.
Kirill justificou a invasão como uma forma de libertar a Ucrânia de abraçar totalmente os valores ocidentais decadentes, como a aceitação aberta da homossexualidade e outros comportamentos pecaminosos que ameaçam a “salvação humana”.
Seu sermão marcou uma virada repentina para uma Igreja que está ocupada denunciando o governo ucraniano por apoiar a Igreja Ortodoxa da Ucrânia, que declarou independência do Patriarcado de Moscou em 2019.
De fato, os russos e a Igreja Ucraniana denunciaram a autocéfala Igreja da Ucrânia como cismática.
Mas o choque da invasão russa repercutiu em todas as paróquias ortodoxas na Ucrânia, levando a uma oração conjunta em 6 de março pela paz em todo o país, que ambas igrejas no país apoiaram.
Em Obukhiv, uma pequena cidade a 40 quilômetros de Kiev, os paroquianos da Paróquia São Miguel Arcanjo da Igreja Ucraniana se ajoelharam por longos minutos durante a oração, enquanto o padre clamava por unidade e apoio mútuo.
“Estamos todos chorando neste momento”, diz Nadezhda, 70 anos, enxugando as lágrimas dos olhos.
A questão do apoio ao exército ucraniano não está mais em dúvida aqui.
Volodymyr, ex-funcionário da fábrica aeronáutica Antonov, está surpreso com as perdas infligidas pelo exército ucraniano aos soldados russos e diz ter certeza da vitória.
“Os russos nunca experimentaram isso!” ele exclama, admitindo seu espanto mesmo assim.
“Fiz meu serviço militar em Moscou na década de 1980... nunca teria imaginado isso”, diz ele.
Mas o assunto das relações com a Igreja Ortodoxa Russa ainda suscita hesitações.
“É um assunto doloroso”, diz Nadezhda.
“Nem você, nem eu temos o direito de condenar”, acrescenta ela.
Quando perguntada sobre quem deve julgar, ela aponta para o céu.
Não muito longe, outro paroquiano prefere culpar “os políticos” pela situação atual.
Mas ao sair da Igreja, ela grita: “Glória à Ucrânia”. O refrão tem sido associado a movimentos nacionalistas.
Sergiy Stoliartchouk, pároco da São Miguel, também é cauteloso.
“Prefiro não comentar as declarações do Patriarca Kirill. A Igreja deve permanecer apolítica, você entende”, ele se desculpa.
No entanto, como em paróquias localizadas em uma dúzia de outras dioceses da Ucrânia que estão ligadas ao Patriarcado de Moscou, o padre Stoliartchouk se absteve de mencionar o Patriarca Kirill durante a Divina Liturgia.
Mas ele se recusou a discutir isso.
Surpreendentemente, é Nikolai Danilevich, porta-voz da Igreja Ucraniana, quem é mais claro sobre as profundas tensões que atualmente atravessam as Igrejas Ortodoxas.
“Sim, temos uma unidade espiritual com o Patriarcado de Moscou... por enquanto”, diz o padre após uma breve hesitação.
“Acho que depois do fim da guerra, isso pode mudar”.
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A invasão russa empurra cristãos ligados a Moscou para o lado de Kiev - Instituto Humanitas Unisinos - IHU